Por Claudia Lamego
Em Holy cow – Uma fábula animal, David Duchovny narra uma inusitada jornada empreendida por três animais cheia de referências pop, muito sarcasmo e com uma boa dose de tolerância e defesa pelos direitos dos bichos. A narradora da trama é Elsie Bovary, uma vaca que passou a vida toda muito feliz morando numa fazenda. As coisas mudam no dia em que ela se aproxima da casa dos humanos e vê algo inesperado: a família toda reunida em volta de um “Deus Caixa” luminoso que fala (e exibe imagens horríveis) sobre uma terrível fazenda industrial. Desesperada, Elsie decide que a melhor decisão é fugir dali. E acaba ganhando dois companheiros de viagem: Jerry, um porco que se converteu ao judaísmo e acaba de mudar seu nome para Shalom; e Tom, um peru que dá conselhos psiquiátricos, consegue usar o celular e sonha em conhecer a Turquia. Juntos, eles viverão muitas aventuras pelo mundo. Com uma narrativa muito espirituosa – que inclui diálogos com sua editora e sugestões para a versão cinematográfica do livro –, Elsie conquista os leitores rapidamente com seu carisma.
Na entrevista abaixo, Renata Pettengill, editora-executiva de ficção estrangeira da Record, conta os bastidores da contratação do livro, fala dos desafios na tradução da obra e revela que já comprou os direitos do romance que o autor, astro de Arquivo X, lança este ano nos Estados Unidos.
Conte pra gente como foi a compra do Holy Cow: quando descobriu, em quanto tempo leu e decidiu fazer oferta e por que apostou no livro.
Eu soube da existência do Holy Cow no início da tarde de um dia que parecia que ia ser o mais fantástico do ano: logo de manhã cedo recebi a notícia de que a oferta que eu tinha feito pelos livros do Bear Grylls havia sido aceita, na hora do almoço veio a confirmação de que o Hyde, do Daniel Levine, também era nosso, e exatamente às 13:45 chegou o e-mail do agente literário perguntando se eu queria receber o manuscrito de um livro escrito pelo David Duchovny. Claro que eu queria! Fui para casa às 14:00 feliz da vida e pensando: “Se melhorar, estraga!” Por isso, peço perdão a todos os brasileiros… O dia era 8 julho de 2014. A culpa pelo 7 a 1 pode ter sido minha… 🙂
Enfim, no dia seguinte, o agente me mandou o manuscrito e eu abri o arquivo imediatamente, de tão curiosa para ver como era o trabalho do Duchovny como escritor. A leitura das primeiras páginas me levou às gargalhadas, e eu não queria parar de ler – mas precisei parar. Naquela semana eu vinha avaliando outro manuscrito, um livro enorme, com deadline para 11 de julho. A questão é que outra editora já havia feito uma oferta pelo Holy Cow e eu precisava agir rápido. Queria fazer a oferta, mas precisava ter certeza de que o livro todo era bom. A solução foi mandar para um parecerista da minha confiança.
Dois dias depois recebi o e-mail do parecerista, antes mesmo do envio do parecer formal, dizendo: “Ufa, li tudo de uma vez só e já deixo aqui minhas impressões: achei sensacional. É engracado, irônico, metalinguístico e supergostoso de ler. Tem tudo pra ser um best-seller. Acho que o único problema se encontra na tradução, já que ele usa muita gíria americana (e de iídiche), jogos de palavras e faz muita referencia à cultura pop.”
A primeira parte das impressões dele batia com a minha percepção do livro após a leitura das primeiras páginas, e saber que era assim até o fim me deu a segurança de que eu precisava para querer apostar nele. Já a segunda parte das impressões do parecerista… Bem… A tradução seria um problema… São muitos os jogos de palavras… Usa muitas gírias americanas e em iídiche…
Maravilha!!!
Questões que soariam como um pesadelo para alguns editores soaram para mim como música. Entrei no leilão e, felizmente, ganhamos.
Você já era fã de Arquivo X quando adquiriu os direitos da obra dele? Ou se apaixonou pelo livro mesmo?
Eu gostava de Arquivo X e considerava o David Duchovny um bom ator. Sabia que a popularidade dele ajudaria na venda do livro. Mas não foi isso que determinou a aquisição dos direitos de tradução do Holy Cow. Se fosse uma obra ruim, eu teria declinado. Mas o livro era muito bom!
Você comprou o livro e decidiu traduzir. Por quê? E quais foram os desafios de trabalhar com esse livro, tão cheio de expressões, gírias, com muitos jogos de palavras e referências culturais? A solução, por exemplo, para o leitor entender a escolha do peru em partir para a Turquia (a brincadeira funciona melhor em inglês) foi uma boa saída. Que outras dificuldades mais você encontrou?
Foram exatamente esses desafios que me fizeram decidir traduzir o livro. (O que em si só foi um desafio e tanto, pois meu trabalho na Record e minha vida de mãe de família ocupam umas 26 horas do meu dia. Por isso tinha parado de traduzir, coisa que costumava fazer nas “horas vagas”.) A questão é que eu ADORO traduções difíceis. Elas me dão muito mais prazer. (Nossa, isso soou meio masoquista, né?! Hahaha!).
A história do Turkey/Peru/Turquia veio metade resolvida do original. No inglês, o nome dele é Tom Turkey. Imagino que o David Duchovny já tenha feito isso pensando nas traduções. O único lugar em que tive de adaptar alguma coisa em relação a isso foi na parte em que no original ele dizia: “Yes, and do you think for a moment that they are going to eat the thing their country is named after?” Não dava para dizer que o povo na Turquia não iria comer peru porque o nome do país tinha o nome do animal. A relação teria de ser com o sobrenome do nosso personagem, o Tom Turquia. Aí adaptei para: “É, e você acha que há alguma chance de eles quererem comer alguém da família Turquia?” A premissa da história foi respeitada e ela pôde fluir normalmente em português.
Pensando bem, mais do que essas questões de adaptação, minha maior preocupação era em acertar o “tom” da narração. Eu recebi o arquivo com a versão final do livro na época do lançamento dele nos Estados Unidos, em fevereiro de 2015. Antes de começar o trabalho, assisti aos vídeos de divulgação da editora estrangeira, às entrevistas que ele deu na TV, li as resenhas, os artigos e as entrevistas publicadas nos jornais, enfim, tudo para ter elementos suficientes para me preparar para a tarefa sem precisar incomodar o autor. Num desses vídeos de divulgação, o Duchovny falou que o jeito de falar da vaca tinha sido inspirado na filha dele de 15 anos. Na época, meu filho tinha 14, e sempre havia amigos e amigas por perto, o que me ajudou muito no “laboratório” que precisei fazer para que a Elsie soasse como uma adolescente em português. Essa foi uma parte bastante divertida do processo.
Fale um pouco de sua trajetória como tradutora e na própria Record, na primeira passagem e agora que voltou, há dois anos, para assumir a ficção estrangeira.
A Record foi meu primeiro emprego, há 25 anos, quando eu ainda fazia faculdade de Letras (Português-Literatura) na UERJ. Comecei como revisora, depois de cinco anos fui promovida a assistente-editorial, e depois de três anos editando centenas de livros fantásticos recebi uma proposta irrecusável para ocupar o cargo de editora no Reader’s Digest. Era o passo seguinte na minha carreira, e, mesmo com pena de me afastar do convívio diário com os livros e com as pessoas da Record, não pude deixar passar a oportunidade. Cresci muito profissionalmente nos dezesseis anos que passei no Reader’s Digest, mas fiquei muito feliz quando o Sérgio e a Sônia me chamaram de volta. O curioso é que, no primeiro dia do meu retorno, por incrível que pareça, eu senti como se nunca tivesse saído da Record. Foi como estar voltando para casa depois de uma longa viagem.
Quanto à tradução, foi algo que se desenvolveu naturalmente ao longo dos anos. Fui me “especializando” em corrigir erros de tradução dos outros enquanto editava os livros, e me interessando cada vez mais pelo processo tradutório. Tanto que resolvi fazer uma pós em tradução na PUC. A partir daí fui fazendo um trabalho aqui, outro ali (nas tais “horas vagas”), e me divertindo muito. O mais “divertido” de todos, seguindo aquela minha lógica masoquista, foi um dos livros do John Green chamado “O teorema Katherine”. O texto continha centenas de anagramas, e anagrama não se traduz, tem de ser criado do zero, idealmente seguindo o sentido contido no anagrama original. [Detalhes das encrencas que eu tive de resolver podem ser lidos aqui e aqui.] Depois desse traduzi alguns outros, esporadicamente, até chegar ao Neil Gaiman. Foi quando resolvi que, para valer a pena ocupar o meu “tempo livre” fazendo traduções para concorrentes [muito amor por todas as editoras], só se fosse Neil Gaiman [muito orgulho do resultado desse aqui e do conto dele nessa coletânea aqui]. Qualquer outro autor, só se for do Grupo Editorial Record e eu estiver muito apaixonada pelo livro – tanto quanto fiquei pelo Holy Cow.
David Duchovny já escreveu outro livro, dessa vez um romance adulto. Você já leu? O que os leitores e fãs do ator podem esperar dessa nova produção, que será lançada ainda este ano nos Estados Unidos? Dá para revelar alguma coisa?
O livro é bem diferente do Holy Cow, que é o que nós chamamos de “crossover”, ou seja, agrada tanto o público adulto quanto o infantojuvenil. O novo, cujo título em inglês é Bucky F*cking Dent, se destina apenas ao público adulto. Vou traduzir abaixo o que a editora americana já disponibilizou sobre ele na Internet. Já vai dar para ter uma ideia boa do que é o livro.
“Ted Fullilove, vulgo Mr. Peanut, não é como os outros universitários da Ivy League. Ele divide apartamento com Goldberg, seu adorado peixinho de brinquedo, dorme numa cama coberta de blocos pautados cujas linhas estão preenchidas com o que ele espera que seja o próximo grande romance americano, e passa os dias arrastados da administração Carter no estádio dos Yankees, exercitando seu jeito poético de falar enquanto vende amendoim para pagar o aluguel.
Quando Ted descobre que o pai ausente, Marty, está morrendo de câncer de pulmão, volta imediatamente para a casa onde morou na infância, e é recebido por um turbilhão de revelações. Aquele pai intimidador da sua juventude está vivendo para compensar o tempo perdido, mas sua saúde declina drasticamente cada vez que seu amado Red Sox perde uma partida de beisebol. Assim, com a ajuda de uma equipe formada por vizinhos e pela adorável Mariana — a psicóloga “novarriquenha” de Marty — Ted orquestra a ilusão de uma série de vitórias do Red Sox, dando um fim à Maldição do Bambino e chegando à vitória da World Series. Só que não.
Bucky F*cking Dent é a história da relação entre pais e filhos, e é a história dos torcedores dos dois maiores times de beisebol de Nova York. Neste livro, David Duchovny aborda a necessidade premente de encontrar a própria história numa época de situações irônicas e repletas de estratagemas. Culminando naquele momento fatídico de outubro de 1978 quando o inexpressivo Bucky Dent entrou para os anais do esporte ao emplacar um improvável home run, este livro tragicômico demonstra que a vida é dos perdedores – que os azarões são aqueles em que vale a pena apostar.
Bucky F*cking Dent é uma história singular repleta da hilaridade, da angústia e da profunda solidão da vida moderna.”